
Uma carta à minha querida Joana
Querida Filha,
Sempre tudo tão calmo ao longo do tempo e, de repente, uma noite de desconforto, mal-estar. Não tinhas posição!
Pela manhã, mais do que já vinha sendo hábito, toca a espetares os pés e empurrar, empurrar, empurrar!
Com as festinhas do costume lá te acalmavas por um pouco, mas depois... Depois recomeçava tudo e toca a espernear.
Acabo por me levantar, são quase 10 horas. Pelas 11 horas fazes-te definitivamente anunciar. E aí decido que é melhor ir ver o que se passa, o que é que tu tens, porque estás tão inquieta.
E lá vamos as duas, rua acima. Eu e tu, aninhada na minha barriga qual bola de râguebi.
Quando chegamos anunciam-me que tu estás a bater à porta, que queres sair e entrar neste mundo.
Como tal, temos de ficar ali. Já não nos querem deixar ir a lado nenhum.
Não podia ser, não tínhamos nada connosco. E lá fomos de volta ao trinta e oito, quinto direito. Pegámos no saco e a Avó Samaritana veio connosco.
Com tudo isto já era meio-dia e meia. Até às duas da tarde estivémos muito bem as duas, eu a ler e tu a cabecear um bocadinho.
Às tantas começa a dar-te a pressa, começa tudo a acelerar e num repente, zás trás pás, tudo se tinha de resolver.
E resolveu!
Nasceste às 16,30 horas em ponto, do dia 07 de Setembro de 1977, com 3,300 kg, no Hospital Particular de Lisboa, um pouco mais abaixo do trinta e oito, quinto direito. Exactamente no dia em que o médico tinha definido como "o fim do tempo".
Apressada, numa correria, mas exactamente no tempo.
Quase não deste tempo de chegarmos à sala de partos.
Eras linda! É mesmo verdade, não são os olhos e o coração cegos pelo amor de Mãe.
Há várias testemunhas, umas aqui, outras a verem-te lá do Alto cheias de orgulho e vaidade. Quanto os teus Avós e o tio Manel estarão babados e a olhar por ti em conjunto com o teu Anjo da Guarda.
Eras um bébé diferente dos outros. A cabeça e a cara muito redondinhas, o nariz muito perfeitinho, as bochechas rosadas, a boquinha muito bem desenhada e uma farta cabeleira preta, com um tufo de cabelos espetados no cucuruto que não se deixavam domar com nada, rechonchuda q.b.
Quando te deitaram no meu peito, quanto emoção, quanta felicidade, quanta responsabilidade!
Parecias uma boneca de porcelana, desenhada na perfeição!
Logo depois do teu choro a anunciares a tua chegada, colocaram-te o teu primeiro adereço, a tua primeira bijuteria. Uma pulseira em cor de rosa no pulso direito.
Foste sempre coquette!
Também emitiram o teu primeiro documento de identificação, com a capa em cor de rosa.


Ainda hoje és assim. Esticas o tempo até ao último instante, sempre a atrasar-te. Depois... uhm, depois sais porta fora de cabelo molhado, a apertar as botas, a enfiar a camisola, enquanto desces no elevador. E que ninguém se atreva a atravessar-se no teu caminho pois o teu humor matinal tem, quase sempre, que se lhe diga.
Lá fora esperavam-te a Avó Samaritana, numa nervoseira porque só lhe levaram a neta e a filha nunca mais saía da sala de partos, a tia Lena - que viria a ser a tua Madrinha (com o namorado) e o tio Zé António com a tia Marion - que se casavam daí por três dias - e que viria a ser o teu Padrinho.
Todos extasiados de roda da menina.
Mais à noite chegou o teu Pai, embasbacado a olhar para a sua menina. Eras a primeira da família Oliveira Amado. Mas disso será o teu Pai a falar-te.
No dia seguinte, veio o teu irmão. O Nuno. Estava pasmado a olhar para a mana.
- Oh Mãe ela é tão pequenina! Posso ver (tradução mexer)?
E lá se deitou na minha cama de hospital contigo ao lado.
Dias depois ajudava a tratar de ti.
Queria dar-te o biberão, ajudar a dar-te banho, mudar-te a fralda.
Meses depois deixava que tu lhe batesses, puxassses os cabelos, sempre dizendo: Oh Mãe mas a mana é mais pequenina.
Até ao dia em que, depois de espevitado, deixou de aceitar as tuas tropelias.
O resto? Bem o resto é longo, mas já tu te lembrarás de muitas peripécias, choros de alegria e tristeza, euforias, ranger de dentes, medição de forças. Nem sempre fácil é verdade, mas sempre valendo a pena.
Quantas histórias!
Minha querida filha, desejo que um dia (não muito distante porque já estás trintona) sintas a mesma emoção, única e insubstituível, a mesma alegria, o mesmo amor que eu senti - e sinto - quando nasceste. A alegria de ser Mãe.
Parece que foi ontem e passaram 30 anos!
Que a vida, com a benção de Deus e a protecção de Nossa Senhora, te cumule de muitas dádivas.
Que a estrada da vida, com as suas agruras e pedras no caminho, te seja leve.
Que saibas perdoar, aceitar, dar, receber, partilhar, rir e chorar. Só assim faz sentido. Só assim poderás amar cada vez mais e melhor, a ti e ao próximo, nunca esquecendo que "O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não se vangloria, não se ensoberbece, não se porta inconvenientemente, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não suspeita mal; não se regozija com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta -. in Carta de S. Paulo aos Coríntios."
Que saibas, bem no fundo do teu coração, que aqui encontrarás sempre um porto de abrigo.
Espero estar à altura. espero continuar a crescer e ser uma mãe cada vez melhor.
Voltaria a dar-te a Vida!
Obrigada por seres minha Filha!
Com muito amor
Mãe
Lisboa, 07 de Setembro de 2007
1 comentário:
está bem está! ganda mentira!
.....Minha querida filha, desejo que um dia (não muito distante porque já estás trintona)sintas a alegria de ser Mãe....
Essa do trintona é uma desculpa esfarrapada, ora vejam só, passo a citar:
"Estragam-na com mimos...
Depois não há homem que a ature e eu nunca mais sou avó!
Ó pá eu não mereço isto!
Leonor"
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